03 novembro 2006

PARABÓLICA (II)

A propósito de ecumenismo e de saber viver (conviver) com os outros aqui fica esta parábola que revela, o preço que a comunhão tem, mas, ao mesmo tempo, nos ajuda a perceber que, sem ela, a vida deixa de ter sabor.
Bom apetite!


VAI UMA SOPA DE CEBOLA?!

Frei Pantaleão era um cozinheiro exímio, que fazia as delícias da comunidade com um prato único e invariável e que todos achavam uma delícia. Até os monges mais doutos e sabidos nas Escrituras o consideravam um dos alimentos mais completos.
Chamavam-lhe o 365 por ser servido todos os dias ou quase. Este menu quotidiano era simplesmente uma sopa de cebola.
Aqueles santos monges, no seu desprendimento das coisas deste mundo, nunca se tinham preocupado por saber quais os ingredientes com que Frei Pantaleão preparava aquele prato tão trivial e tão especial.
Um belo dia de capítulo conventual, como o abade tivesse acabado antes do tempo as monições e as recomendações habituais, a conversa fraterna recaiu precisamente sobre o 365, isto é, a sopa de todos os dias, tão bem condimentada e tão apreciada por todos os monges.
- Diga-nos, irmão cozinheiro, o segredo da sua receita – pediu o venerando superior.
Frei Pantaleão não era homem de segredos e respondeu logo:
- É muito simples, reverendo padre. Numa panela cheia de água, começo por deitar duas boas colheres de sal.
Frei Primário ficou logo vermelho como um pimento.
- Como? Duas colheres de sal? Não é possível. Eu, que tenho a tensão alta, estou a tomar sal sem o saber?! Não pode ser, irmão Pantaleão, isso é um crime contra a minha saúde.
Frei Pantaleão, na sua grande caridade, anotou a alta tensão de Frei Primário e prosseguiu: depois junto-lhe uma colherada bem coagulada de pimenta.
- De pimenta? exclamou Frei Vantanias. Ora eu, que, por mal dos meus pecados, sofro do fígado e você vai logo deitar pimenta na sopa. Frei Pantaleão respondeu que sim senhor, que o fígado de Frei Vantanias devia ser respeitado e que, portanto, daí para a frente não deitaria pimenta na sopa.
E prosseguiu: depois derreto muito lentamente, numa tigela, 200 gramas de manteiga.
- Como? Exclamou um tanto indignado Frei Espinafre. Eu que tenho colesterol a mais e não há nada pior que a manteiga para o colesterol.
Sempre com muita paciência, Frei Pantaleão tomou nota do alto índice de colesterol de Frei Espinafre e prosseguiu: quando a manteiga estiver derretida, deito nela a cebola picada.
- O quê? Cebola picada? Interveio meio descontrolado Frei Cólicas. Agora compreendo esta aflição intestinal, esta vida interior sempre perturbada, que não me deixa dormir descansado.
Esta confissão das fraquezas interiores de Frei Cólicas que fez sorrir os monges, mereceu também a atenção de Frei Pantaleão e lá tomou nota para não pôr cebola picada na sopa.
E prosseguiu: logo que a cebola picada começa a aloirar, deito-lhe três colheradas de farinha.
- Três colheradas de farinha? Exclamou indignado Frei Rotundo. Eu que estou proibido de tomar farináceos por causa da minha obesidade e você vai deitar na sopa três colheradas. Por favor, Frei Pantaleão, em nome dos meus 95 quilos, tudo menos farinha na sopa. Frei Pantaleão achou justa a reclamação de Frei Rotundo, até por que falar em 95 quilos era muita modéstia da parte de Frei Rotundo. O volume esférico que se via a olho nu apontava bem para mais do que para menos.
E prosseguiu: quando a água da panela começa a ferver, deito-lhe dentro o preparado da tigela, de modo que tudo fique bem misturado. Por último, acrescento-lhe uma boa quantidade de calda de frango.
Esta é que o Frei Verduras não pôde engolir. – Calda de galinha? Ora eu que sou vegetariano, que de carne nem o cheiro, e o irmão impinge-me calda de frango. Por favor, Frei Pantaleão, ponha na sopa tudo o que quiser, mas não me obrigue a faltar aos meus propósitos dietéticos.
Uma vez mais, o paciente Frei Pantaleão, tomou nota da dieta de Frei Verduras.
No dia seguinte, os monges viram, com espanto, na sua frente, uma grande panela de água quente, tão pura que até se lhe via o fundo.
Todos estavam a pensar que também não era preciso exagerar até esse ponto, pois afinal, apesar das mazelas de cada um, todos apreciavam a sopa e ainda ninguém tinha morrido por causa dela, quando Frei Jeremias, que não tinha estado na reunião do dia anterior, fez sinal a Frei Pantaleão, pois não podia quebrar o grande silêncio, a pedir-lhe para ir buscar a sopa do costume, pois a água quente assim brava e ao natural, irritava-lhe o estômago, pois desde miúdo que sofria de gastrite crónica.

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